A Leveza do Meu Ser

Gosto do nome Tomás e, quase sem dar por isso, deixei que ele tomasse conta de mim tornando-se no meu alter-ego quando escrevo. Um nome que fui buscar a uma das minhas personagens favoritas, protagonista do célebre romance de Milan Kundera, escritor com cuja escrita vibro e me identifico.
Gosto também de ler António Lobo Antunes. Como tanta gente, fascinam-me as suas crónicas, a maneira como imagina e descreve factos ou sentimentos, a forma escorreita e original como escreve. Algumas das histórias que se seguem foram escritas indo atrás da sua maneira de brincar com as palavras, num exercício que começou como mera brincadeira e sem qualquer pretensão de se lhe comparar.
Wolf tem por isso uma ligação evidente ao escritor português; mas também pelo Lobo/animal e por tudo o que ele representa no imaginário de cada um de nós.

«O lobo é a força da alcatéia e a alcatéia é a força do lobo» (Joseph Rudyard Kipling, escritor e poeta britânico, 1865/1936, em «O Livro da Selva»)

sexta-feira, janeiro 5

Marquise com vista sobre a churrasqueira!

Querida, sei que, logo à noite, quando chegar a casa e te encontrar à volta das panelas lamentando o teu dia, irás mais uma vez fazer-me queixas dos disparates do Leonardo, do Lúcio e da Laura

(e eu, como sempre, a tentar lembrar-me porque raio os nomes dos nossos filhos começam todos por «éle»!)

e também do primo Luís

(será de família?),

que veio passar o verão connosco a Mem Martins, da vizinha de cima que voltou a estender roupa a pingar, ou do militar do andar ao lado que arranjou novo companheiro, irás voltar a dizer-me que o grelhador eléctrico, comprado em saldo no Feira Nova e no qual tentas com afinco assar sardinhas no estendal da roupa, não funciona bem, e eu ficarei a pensar que os problemas do meu dia são pequeninos e insignificantes ao pé dos teus.
Porque não me apetecerá contar-te que o meu chefe gritou mais uma vez comigo ou que as contas da empresa andam mal, que provavelmente nem irei ter subsídio de férias e que oxalá o ordenado não se atrase, senão a prestação das três assoalhadas com marquise

(como raio cabemos cá todos?)

está em risco, e tu querias tanto uma máquina de lavar roupa nova, igualzinha àquela que viste no folheto que deixaram na caixa do correio e que a tua irmã já tem, e eu sem ver outra alternativa senão irmos à praia de autocarro, porque o nosso Fiat Uno ainda não passou na inspecção e o meu irmão não está cá para arranjá-lo.
Não te quero preocupar com isso amor, mas também não sei de mais nada para conversar contigo. Não tenho nenhum colega que se tenha divorciado recentemente por ter sido apanhado com a cunhada a fazer nudismo no Meco e tão pouco te interessaria saber que roubaram outra vez os espelhos do elevador do prédio onde moramos. Como não ligas ao futebol, como certamente não te interessa saber que o meu computador no trabalho não se entende comigo e tenho que fazer as facturas à mão, irei permanecer calado, depois de ter dado um beijinho na bochecha corada e escutarei o quanto te correu mal o dia, pois tenho a certeza de que te continuarás a queixar mesmo quando eu fugir para a marquise onde os miúdos dormem, e eu:


«— Sim ?»
«— Tchee!...»
«— Não me digas...»,


já sem te escutar bem, tentando ganhar espaço para abrir a janela e mergulhar num cigarro porque tu não gostas do cheiro em casa. Já vi que os miúdos têm pósteres novos na parede e nas janelas, é engraçado que eles têm um ar menos chocante do que aqueles que eu tinha no meu quarto quando te conheci no secundário. Quantas vezes me apetece confessar-te que tenho saudades desse tempo, se calhar são apenas saudades dos sonhos que então tínhamos, até tu engravidares e o teu pai me obrigar a casar contigo.
Como sempre dirás aos gritos que eu estou muito calado, que não te ligo, que me fecho,


«— Se calhar arranjaste uma amante ou andas embeiçado por uma colega...»,


altura em que eu fujo para o café, para beber uma última imperial ou para a casa de banho para ler o resto da Bola.
É por isso querida, que eu gosto de ver um filme contigo na sala, naquela televisão que comprámos no último Natal, com écran grande mas de marca branca porque era mais baratinha. Normalmente, logo a seguir à telenovela, tu aconchegas-te no meu ombro, indiferente ao barulho do modem e do teclado do computador, porque os putos estão num chat qualquer a destilar hormonas

(tivemos que meter o computador na sala, sei que não gostaste,
mas não havia mais espaço),

não tarda adormeces cansada, com um pouco de sorte ficas em posição de não ressonar, e eu poderei fazer-te festas no cabelo, ficamos tão bem em silêncio sem ter que te explicar aquela parte do filme que não percebeste, a pensar como és bonita, tão bonita como no dia em que te conheci, que gosto tanto de ti, e que, se o tempo ajudar, vamos à praia este fim de semana, sozinhos, porque não dizemos aos rapazes, que preferem ir para a outra banda, nem à Laura, que arranjou namorado novo e que a mim não me parece de confiança,

(eu sei... já me esqueci de quando era novo e namorávamos...)

e, a seguir, até podíamos ir aquela churrasqueira baratinha, que faz um frango tão bom e que nos diz tanto, pois foi lá

(será que ainda te lembras?)

que me disseste que estavas grávida! Que achas?

quinta-feira, janeiro 4

O decote que desconheço...


Percebi que o nosso casamento realmente não estava bem

(é verdade, já andas a dizer-me isso há muito tempo...)


quando dei por mim a apreciar distraído o decote daquela amiga provocante da nossa filha, corei de embaraço ao subir o olhar e cruzar com o dela trocista

(senti-me o Spacey na «Beleza Americana» lembras-te? Foi o primeiro filme para «gente grande» que fomos ver com os miúdos)


e, como ele, percebi que não era tão só o desejo por ti que tinha morrido, mas a vontade de viver que desaparecera não sei quando

(não sei precisar, se calhar depois dos miúdos terem nascido ou então mais tarde, quando eles começaram a não querer sair connosco e já tínhamos desaprendido de o fazer só nós dois)


e não é por não seres ainda uma bela mulher, aliás, mais linda do que nunca, mais serena, mais madura, mais inteligente, eu é que não sei falar contigo, perco-me nas palavras e no interesse, já não temos mais conversas que nos apaixonem, interesses comuns, desejos para partilhar.
Alheei-me, bem sei, primeiro comecei a sair sozinho, depois com os amigos, uns de ocasião outros com quem partilho tanta coisa,

(não, não é só o futebol e mulheres, sabes?, falamos de muitas coisas, das frustrações do trabalho e sei que eles me entendem por sentirem o mesmo, dos problemas em casa não falamos como às vezes fazes com as tuas amigas, mas os homens não são assim)


deixámos de ir ao cinema, jantar fora, passar fins de semana a passear, fomos perdendo até amigos comuns, mas eu não percebi, não percebi até que já não fazemos amor há muito tempo, trocamos apenas um beijo rápido pela manhã quando nos despedimos ou à noitinha quando nos encontramos. E já nos encontramos muito pouco, acho até que nos portamos como dois estranhos que partilham a mesma casa, geralmente só falamos quando temos uma conta imprevista para pagar, já nem discutimos o que vamos dar de presente aos miúdos no Natal ou nos anos

(afinal eles já sabem o que querem e nem se fala mais nisso)


e não sei se o que custa mais é já não ser surpreendido quando, nas mesmas datas, me ofereces qualquer coisa, se o mesmo desinteresse que sinto quando compro qualquer coisa para ti.

(no princípio ainda comemorávamos aquelas «datas especiais», quando começamos a namorar, o dia do nosso casamento, até aquele dia mágico em que juntos perdemos a virgindade)

Já não me lembro do que te ofereci da última vez, espero lembrar-me a tempo de não repetir o presente e tenho ainda na gaveta o pijama que me deste no último Natal. Nunca te disse mas não me sinto bem nele, está um pouco apertado, na altura nem liguei muito, afinal nos anos tinhas-me dado um parecido e, esse, ainda está bom.
A ti tudo te serve, estás cada dia mais linda e mais jovem, depois de teres engordado um bocadinho quando os miúdos eram pequenos, voltaste a ter cintura e o teu peito bem feito a recortar-se nas blusas justas de decotes abertos, em vez daquelas camisas com patinhos que dantes colocavas fora das calças.
No princípio ainda me preocupei, porque tu tinhas um chefe novo na empresa que te andava a chatear

(apresentaste-mo uma vez, ainda te lembras?, na altura discutimos se os olhos dele eram verdes ou cinzentos e tu não gostaste quando te disse que parecia simpático)

mas, depois,

«— parece que ele até é bom e tem boas ideias»

e tu começaste a gostar e a trabalhar mais, o trabalho a aumentar e a obrigar-te a sair mais tarde para não acumular, às vezes até ao fim-de-semana o que para mim era bom, porque assim não me chateavas tanto quando saía com os meus amigos.

«— Divertiste-te?»,
perguntavas-me, mas eu sabia que já nem ouvias a minha resposta, por isso passei a encolher os ombros, esse gesto tornou-se até a única coisa que fazemos juntos.Mas fiquei preocupado, sabes?, porque tu estavas cada vez mais magra e a tua cara parecia cansada, mesmo se o disfarçavas com um sorriso que às vezes me parecia triste, outras vezes forçado.

(não andavas a alimentar-te bem, dormias pouco e dormias mal, cada vez conversávamos menos e, quando o fazíamos, era sobre o teu entusiasmo com a empresa e eu tinha vergonha de te confessar os desapontamentos com a minha, esperava até o puder fazer com a malta).

Voltaste a usar vestidos,

(até saia!,)

uma vez arriscaste mesmo uma blusa que te deixava o umbigo quase à mostra, lembro-me de rir e de te perguntar se ainda tinhas idade para isso, saíste porta fora e parece até que ainda a estou a ouvir bater. Fiquei furioso e nesse dia quis chegar tarde, demorei-me propositadamente no café até o nosso filho me telefonar e perguntar

«- estás bem Pai?»

regressei a casa e tu chegaste logo a seguir, porque nesse dia um fornecedor se tinha atrasado, não falámos, não discutimos, não me disseste nada, fizeste de conta que eu não existia e só quiseste saber como estavam a correr os trabalhos dos gémeos na escola. Deitaste-te logo de seguida, porque te doía a cabeça e eu fiquei a ver televisão, a tentar ouvir o som por cima do barulho da máquina de lavar loiça, aquilo irritava-me mas adormeci no sofá a ver novela,

(imagina!,)

até te sentir, já de madrugada, a desligar a televisão e a pôr-me um cobertor sobre os ombros.
Fingi que estava a dormir, não queria discutir, mas, para te falar verdade, naquela altura o que me apetecia mesmo era puxar-te para mim, rebolar contigo no chão e fazermos amor intensamente, da mesma forma que fazíamos quando nos casámos e morávamos naquela casa pequena que, pouco a pouco, fomos mobilando com os subsídios.
Não o fiz com medo da tua reacção e porque não queria parecer desajeitado, também não me apeteceu ouvir-te repetir que tinhas de acordar cedo por causa do trabalho ou que os miúdos podiam despertar com o barulho.
Tenho saudades desse tempo, quando tínhamos pouco mas nos tínhamos. Não sei porque nos afastámos, em que momento das nossas vidas começámos a agir como estranhos e porque o trabalho para ti parece tão importante. Para mim é estúpido que digas que ele te realiza, não entendo como isso pode acontecer, ter que ouvir e cumprir ordens, receber telefonemas do teu chefe a qualquer hora ou ter que chegar mais tarde. Eu, quando chego, estive a divertir-me com os meus amigos, estive a desancar nos meus chefes, está bem, às vezes até comentamos as formas de uma qualquer miúda com que nos cruzamos.
Agora… agora, de repente, não sei o que sinto, ao olhar para o decote da amiga da nossa filha percebi que o teu, pela manhã, quando te sentas fresca e cheirosa a tomar o pequeno-almoço, me é também profundamente desconhecido!

quarta-feira, janeiro 3

O Nosso Banco de Jardim...


Durante muitos meses habituei-me a ser o ombro confidente teu amigo,

«— devias ter ido para padre ou psicólogo, Tomás, tens jeito»

e decorei cada traço que as maças do teu rosto fazem enquanto falas ou tomas fôlego, num compasso de espera que a língua acompanha aflorando e molhando os lábios. Sei que te enervas ou ficas indecisa quando vibras rápida a pálpebra esquerda, consigo até descobrir o que te desagrada pelo tom da tua voz, e nós falando de tudo e de nada, os teus olhos verdes brilhando risonhos dos disparates da minha vida

(acinzentando-se quando estás triste)

e pouco a pouco contaste-me a tua,

(e eu vi-os muitas vezes cinzentos)

rapidamente deixámos de ser apenas colegas para nos tornarmos cúmplices daqueles bocadinhos de conversa, da troca de gestos e de sorrisos de quem acha que se conhece e acaba por partilhar uma história que, em algum momento e neste lugar, era quase como se desde sempre fosse a nossa.
Desvendaste aos poucos o teu mundo, a criança que deixara de o ser com o divórcio dos teus pais, a vida nova que se abriu

(ou fechou Teresa?)

com a tua mãe cada dia mais amarga, mais intolerante e impaciente, até ao teu primeiro namorado, depois teu marido, com quem descobriste a sexualidade e a maternidade, num percurso constante de deveres, responsabilidades e obrigações. A mim partilhaste o teu desencanto

«- é a primeira vez que o faço, Tomás, nunca confessei a ninguém, nem à minha mãe, tenho vergonha que não me entendam»

porque ele, o pai do teu filho, deixara de ser o namorado que era, e nunca fora o marido que sonharas, primeiro o trabalho, depois a rotina do casamento que se instalou num ápice e os amigos, o futebol e as noitadas no bar passaram a ser mais aliciantes do que a tua companhia.
E tu a veres a vida a repetir-se, eras agora mãe, a tua mãe, cada dia mais só e, como ela, cada dia mais amarga e desencantada, presa a um filho e a um casamento com contas para pagar todos os meses.
Voltaste por isso a trabalhar depois do Fernando nascer, custou-te bastante mas, descobriste-o depois, foi um bocadinho de liberdade que recuperaste

(mas alguma vez a terás tido na tua vida?)

foi bom voltares a sentir-te útil fora das quatro paredes de uma casa da periferia, custou habituares-te de novo à rotina chata dos transportes públicos, mas, esses pequenos tempos que tinhas só para ti no comboio, permitiram-te voltar aos livros, à música e aos poemas que tão bem sabes escrever

(desculpa ter dito que no poema que fizeste sobre o nascimento do teu filho versaste só sobre isso, o TEU filho como se Pai ele não tivesse)

E eu... eu uma vida que desejava livre e com tempo para partilhar e desfrutar das coisas boas que ela oferece, dando às responsabilidades o prazer de um desafio, tantas aventuras para contar

(umas bem reais, outras romanceadas para te fascinar e prender a atenção)

contava os contratempos e de uns rias encantada

(e nessa altura os teus olhos eram verdes)

a outros abanavas a cabeça e fintavas-me naquele jeito meio reprovador/meio matreiro que certamente usas para o teu filho apanhado em falta, perguntavas, querias saber sempre mais, todos os pormenores e todos os meus sonhos, todos os lugares que gostaria de visitar e todas as coisas que gostaria ainda de fazer

(e visitámos e fizemos tanta coisa juntos em palavras...)

dei por ti vivendo a minha vida e partilhando-a, tornando-a cada vez mais tua para te furtares aos teus dias de solidão e desencanto.
Recordo como o primeiro beijo aconteceu de uma forma tão natural, quase como se sempre tivesse imposto no fim de cada dia de trabalho, tímido e rápido como dois lábios se experimentando a medo. Sei que ficaste a pensar nele como eu fiquei, na vontade de o repetir e prolongar, mas tinhas o comboio para apanhar, o Fernando para ir buscar à creche e a noite avizinhava-se, a tua noite onde eu só entrava em sonhos. Há muito já tinha entrado, confessaste envergonhada não sei de quê, pois eu partilhava o mesmo pecado.
No dia seguinte estava tão nervoso quanto tu, os olhares furtavam-se, os pequenos gestos de cumplicidade que adquiríramos já não pareciam naturais e até o convite para almoçar soou estranho como se nunca tivesse acontecido. Quando depois do almoço nossas mãos se roçaram acidentalmente na rua,

(confesso, não foi acidentalmente)

não demorou a entrelaçarem-se como imanes, não sei quem chegou primeiro ao beijo que tardava, como diz o poema daquela canção que um dia me mostraste e que substituiu todas as palavras que não conseguimos dizer,

(e nós nunca tivemos problemas em falar um com o outro Teresa...)

num instante em que, sabendo que já te amava descobri o quanto. Há muito que te escondia pois há confissões que custam revelar, mesmo sentindo que também te morria na garganta o que os teus olhos verdes denunciavam.
Em mim não sei se vias o meu olhar se acinzentando quando contavas o que compravas para a tua casa, a TUA casa, do bolo que tinhas feito para a TUA família

(pensando bem, nunca disseste a TUA família)

ou falavas dos amigos comuns que vos visitavam e dos poucos passeios que faziam,

(quantas vezes imaginei eu e tu de mão dada)

coisas que não faziam parte de mim e nunca fariam de nós.
Não sei como aconteceu, mas ontem desembocámos num quarto de hotel, eu tão nervoso quanto tu mas disfarçando, com o mesmo anseio e sofreguidão com que os beijos e carícias despiram nossas roupas e os corpos nus se fundiram. Contei mentalmente cada sinal do teu corpo, percorri com os dedos e a boca cada curva com a vontade de descoberta de um adolescente,

(e nesse momento sentíamos a adolescência da primeira vez)

inspirando fundo em cada poro teu para roubar o odor que me despertara a paixão, enquanto tu revelavas o calor de um corpo que desabrocha como se nunca o tivesse feito, uma e outra vez e tudo era como novo para nós dois. Brinquei com a tua pele arrepiada ao percorrer-te a curva das costas e descobri em mim o prazer das tuas unhas se cravando nas minhas nádegas, enquanto os teus olhos, num momento prolongado e arfante, ficaram de um verde tão límpido e transparente que me permitiram conhecer os recantos mais escondidos da tua alma. E, nesse dia, em que as horas pareceram minutos e o inverno se fez verão no suar de dois corpos exauridos

«- nunca o faria com mais ninguém Tomás e nunca o senti tão intensamente»

a noite chegou cedo trazendo obrigações e impondo uma realidade que nos separou vazios de palavras.
Hoje, ao almoço, fugiste com o olhar e só falaste sobre a TUA casa e o TEU filho, quando a medo te perguntei o que significava para ti o dia de ontem rabiscaste no guardanapo do restaurante

«- foi a coisa mais linda que já me aconteceu»

e eu limitei-me a guardar a folha de papel na carteira como se fosse Robert Kincaid nas «Pontes de Madison County»,

(ainda que com ele só partilhe o gosto pela fotografia e neste momento
queria tanto ter uma dos teus olhos verdes)

percebendo que a nossa história nunca seria tão importante quanto a TUA casa aonde chegara a humidade do inverno, o TEU frigorífico que fazia barulho, a mobília nova que gostavas de comprar para a TUA sala e até o apelido de casada no TEU nome, que se esgotara a cumplicidade das palavras e dos gestos, ou que, como em tantas outras histórias, a nossa só teria passado.
Não sei se os teus olhos brilharam ou se acinzentaram quando me levantei, preciso rapidamente de sentir a única coisa que posso chamar de nossa: aquele banco de jardim público onde nos sentávamos quando as pernas nos traíam depois do beijo, se calhar até lhe tiro uma fotografia para colocar junto ao papelinho que conserva a tua letra e que cuidadosamente guardei, como fiz a todos os momentos que imaginei viver a teu lado.