A Leveza do Meu Ser

Gosto do nome Tomás e, quase sem dar por isso, deixei que ele tomasse conta de mim tornando-se no meu alter-ego quando escrevo. Um nome que fui buscar a uma das minhas personagens favoritas, protagonista do célebre romance de Milan Kundera, escritor com cuja escrita vibro e me identifico.
Gosto também de ler António Lobo Antunes. Como tanta gente, fascinam-me as suas crónicas, a maneira como imagina e descreve factos ou sentimentos, a forma escorreita e original como escreve. Algumas das histórias que se seguem foram escritas indo atrás da sua maneira de brincar com as palavras, num exercício que começou como mera brincadeira e sem qualquer pretensão de se lhe comparar.
Wolf tem por isso uma ligação evidente ao escritor português; mas também pelo Lobo/animal e por tudo o que ele representa no imaginário de cada um de nós.

«O lobo é a força da alcatéia e a alcatéia é a força do lobo» (Joseph Rudyard Kipling, escritor e poeta britânico, 1865/1936, em «O Livro da Selva»)

sexta-feira, julho 13

Gosto de ti... por tudo o que de bom me fazes sentir

Não sei porque gosto de ti. Não sei se gosto de ti ou se odeio, não sei se gosto apenas da ideia de gostar de ti

(ou de te odiar),

mas, se é apenas a ideia de gostar de ti, por que é que ela me faz pensar tantas vezes em ti, não me afastar de ti ou, pior do que tudo, correr para ti quando te lembras de mim?

Não serás o melhor dos meus amantes; não tocaste nem pareces saber tocar todas as cordas que me fazem vibrar enquanto mulher e amante, mas, quando estamos juntos e a minha pele se arrepia na tua, de nada me lembro na ária feita de vulcão e lava, no suspiro gritado com que primeiro me libertas e depois me confundes...

... para logo voltar a odiar-te odiando-me, por amar a música com que sem te esforçares me encantas, pela arrogância, falta de atenção e egoísmo que em ti tanto me atrai e faz depender este meu coração de um gesto teu, de uma palavra tua que nunca acontecem.

Muitos houve que me desejaram e amaram mais e melhor do que tu, desses, nem os momentos bons conservo ou importam, porque nunca me interessei em os conhecer tão bem quanto o que aprendi e apreendi na fragilidade dessa tua máscara que, sem entender, me impede de permanecer nos teus braços naqueles momentos em que desejo o tempo se imobilize, nessas poucas horas livres que encontras para nós

(e nunca ouvi um nós vindo de ti...)

Desconforta-me saber que te aproveitas da entrega excitada que não consigo controlar perante o teu desinteresse, do fascínio deslumbrado com que sigo os teus gestos seguros no restaurante, o respeito educado de quem te cumprimenta e o olhar de admiração que recebo, a energia que de ti transborda quando falas dos teus anseios profissionais, essa energia que eu tanto desejaria reservasses para amar, mimar e desejar-me, fosse em gestos, em palavras, em atitudes...

De ti, em ti, não há promessas, nem projectos em que eu entre, o futuro será aquele onde me quiseres arrumar na tua vida. Se desejares acomodar-me-ei complacente com a mesma facilidade com que me tens e te serves, serei tua amante quando te apetecer, tua companhia quando desejares, um dia... quem sabe..., talvez consiga representar para ti mais do que essa ideia de mulher que dominas e que eu sei, tanto te agrada fazê-lo.

Confessaste até, nas poucas palavras sobre nós que trocámos, o quanto isso te faz também sentir confiante, revelaste-o a mim, eu que sei servir apenas para alimentar essa tua volubilidade permanente.

Mas deixarei que assim seja sem realmente saberes o quanto te odeio, desdenho e desprezo, mesmo quando julgas que te amo e idolatro, numa raiva surda que cresce ao ritmo com que descubro e exploro cada uma das tuas fraquezas, cada uma das tuas necessidades em me humilhar e fazer depender de ti, tal como me repugna a tua inteligência indolente e autoritária que esconde o ser inseguro, medroso e incapaz que realmente és, o homem por quem me apaixonei e um dia tolamente ansiei.

Sei que conseguirei fazer com que me ames; não para te ensinar o sentimento, manipulando antes a minha presença cómoda até te corromper como um hábito do qual dependas e, depois... bem, depois, desinteressar-me-ei de ti na esperança de que sofras com a ausência do vício com que te amestrei!



*

«— Quem verdadeiramente és tu Tomás?» — O dedo dela desceu devagar, ziguezagueou entre os pelos do peito até se espetar ameaçadoramente na zona logo acima do umbigo — «És um sedutor barato, um homem sensível ou simplesmente alguém que usa palavras bonitas para se aproveitar da fragilidade das mulheres?»

Ele sorriu na direcção da unha cuidadosamente tratada, pintada, lentamente foi erguendo o olhar ao longo do corpo deitado na cama ao seu lado, cabeça apoiada na mão esquerda, cabelo escorregando entre os dedos e a curva do braço permitindo vislumbrar um seio repousando indolente na ponta da almofada.

Os olhos encontraram-se e Tomás ergueu a mão para afastar-lhe o cabelo do lado livre da testa, revelando o sinal escondido, deixou que os dedos encontrassem outro na nuca e acabassem a viagem na marca do peito, que tantas vezes o fizera interrogar-se de como fora ali parar. Essa trilogia era um gesto repetido que sabia arrepiá-la, um momento de prazer partilhado que o seduzia tanto quanto a pele dela crescendo num arrepio ao longo da jornada, fazendo-a morder o lábio, fechar os olhos e suspirar em intensa volúpia.

Mas não desta vez em que a mão aberta lhe cerrou a boca

«— Não digas nada. Não quero saber nem me interessa...»,

para logo depois lhe revelar pelo puxar da sua cabeça que o queria por cima em mimo e abraço, protector ou de desejo, que a levasse a trocar os pensamentos pelo deleite, não sem antes

«— As conversas de cama são coisas passageiras; por isso, se o assunto é sério, nunca se fala na cama».

Tomás aproveitou o movimento para fazer rebolar os corpos e obrigar o dela a ficar por cima do seu. Sabia o quanto isso a deixava vulnerável, forçando-a a ficar e fixar o olhar a um palmo de distância do seu, pressentindo-lhe o desconforto de sentir-se tão exposta, o peito quente compassando a respiração enervada que se debatia em movimentos de fuga que o abraço dele cerceava

«— O que é que tu ganhas com isso? O que queres provar? Tens a certeza que no final não és tu quem sai magoada?»,

a irritação em crescendo até ao limiar do grito, o dele, quando as unhas afiadas dela quase o elevaram do colchão num gemido de dor que noutras alturas tanto a excitava.

«— O que é que te interessa? Aliás nem percebo porque te contei... o que vais pensar de mim.. raios!»

«— Mas porque é que agora te importa tanto o que eu possa pensar?» achou Tomás daquele corpo tão frágil depositado ao lado do seu, por vezes imerso em tanta determinação e raiva de si mesmo, fintando-o agora em desafio, perdido na necessidade de se violentar numa confusão de pensamentos e sentimentos diversos... ou simplesmente de ser desejado e amado enquanto mulher para se afirmar, para se estruturar ancorada nessa atenção, até fortalecida se libertar e seguir o seu rumo. Um rumo que Tomás aceitara passar por ele, como porto de passagem de uma jornada construída sobre algumas desilusões e desencantos, se calhar extrapolados no receio das exigências a que um fundear mais longo sempre obriga. Umas vezes presa a fantasmas criados pelo medo do assalto à mais íntima das fragilidades que a alma guarda, outras perseguindo perfeições que a exigência desculpa, sorvendo o que de bom cada embarque proporciona e construindo de retalhos um imaginário perfeito que a faz manter em cada porto uma amarra quase vampiresca, de onde suga cada necessidade sem a preocupação de ter que erotizar as dificuldades que geralmente afundam as relações.

E depois... depois e sempre o acaso, o baralhar do destino, a partida pregada por sentimentos que não se procurando surgem sem aviso e sem explicação e nos deixam com a vontade indefesa. No sentir recíproco pode estar a paz mas pode também não estar a chama que mantém muitos desafios acesos, os que não se entendem, os que se estabelecem raptando os sentidos e saqueando a alma apenas num sentido, trazem a insegurança e o sofrimento, logo depois podem dar lugar ao ódio e à vingança. Ténue será sempre o limite que estabelece essa fronteira e mais frágeis ficam os seres que se deixam levar pelo impulso que apenas serve a desculpa não confessada de manter o laço que nos liga aquele cais.

«— Porque é que te importa tanto o que eu possa pensar?» E porque é que realmente o incomodava? Naquele instante, entre lençóis suados e desalinhados, as duas silhuetas recortadas pelo amanhecer que anunciava o fim da madrugada, sentiram que o desejo de corpo não satisfaz, não descansa a alma e pode vandalizar o coração. E que todos os enganos e promessas por ambos jurados se poderiam esboroar ao ritmo com que se ameaça erguer algo novo, mais maduro, mais adulto e terrivelmente mais exigente por sobre todas as verdades confessadas em dias de descompromisso, em que o prazer da companhia e do entendimento contemplou as vontades da carne e da paixão. Como tudo se confunde e nos deixa de novo vulneráveis, como os seres se podem baralhar perante a ameaça dos sentimentos!

«Vou-me embora! Antes que se estrague a amizade... ou se instale a dependência»

Não houve um bater de porta, o som de um elevador ou do descer das escadas, o ruído de um carro a afastar-se. Tomás sentiu que lhe morriam uma a uma as palavras que tinha para lhe responder. Talvez não fizessem sentido. Ou talvez as pudesse dizer outro dia. Ela voltaria. Não pelo que faltara dizer, antes pelo que ficara por viver...