A Leveza do Meu Ser

Gosto do nome Tomás e, quase sem dar por isso, deixei que ele tomasse conta de mim tornando-se no meu alter-ego quando escrevo. Um nome que fui buscar a uma das minhas personagens favoritas, protagonista do célebre romance de Milan Kundera, escritor com cuja escrita vibro e me identifico.
Gosto também de ler António Lobo Antunes. Como tanta gente, fascinam-me as suas crónicas, a maneira como imagina e descreve factos ou sentimentos, a forma escorreita e original como escreve. Algumas das histórias que se seguem foram escritas indo atrás da sua maneira de brincar com as palavras, num exercício que começou como mera brincadeira e sem qualquer pretensão de se lhe comparar.
Wolf tem por isso uma ligação evidente ao escritor português; mas também pelo Lobo/animal e por tudo o que ele representa no imaginário de cada um de nós.

«O lobo é a força da alcatéia e a alcatéia é a força do lobo» (Joseph Rudyard Kipling, escritor e poeta britânico, 1865/1936, em «O Livro da Selva»)

terça-feira, dezembro 23

Sonho é vida em liberdade

Em sonhos somos heróis ou vilões, fracos ou fortes, em sonhos somos quem queremos e não temos coragem para ser acordados, afastamos-nos de quem nos faz mal ou não gostamos, vivemos em segredo as fantasias e as aventuras de que a moral e a consciência não nos libertam quando despertos, a sonhar rimos, choramos e cantamos sempre melhor do que acordados.

Em sonhos somos mais verdade, mesmo quando essa verdade nos assusta ou deixa tristes, porque tantas vezes também nos faz acordar felizes e confiantes.

Em sonhos amamos mais e melhor, somos ousados, traímos ou trocamos afectos em segredo cúmplice e amoral, perseguimos finais de arco íris em busca de potes de ouro que acordados sabemos não existirem.

Sonhar é como uma porta que se abre para uma vida em liberdade, em sonhos somos capazes de nos perder sem rumo e sem limites em tempos que se misturam, somos um passado que nunca foi e trazemos o futuro ao presente, vivemos a criança que nunca revelámos para descobrir afinal que ela ainda dura em nós.

Sonho é esperança sem matéria mas com alma, uma alma dotada de um coração imenso capaz de se libertar sem ansiedades nem restrições para se entregar à vida.

E é através dessa capacidade para sonhar que descobrimos o quanto é bom viver... para poder sonhar; e o quanto é mau sonhar que não se quer acordar.

quarta-feira, dezembro 10

Foi a tarde mais doce de todas as tardes por inventar


Abracei-te, beijei-te a cara e os cabelos, os meus lábios rondaram-te as pestanas e as bocas não tardaram a encontrar-se depois da rotação da tua cabeça.

Em fundo, o suave barulho das ondas, enquanto brincávamos sobre o que as velhas que nos espreitavam estariam a comentar ou no quanto te escandalizava a loucura do gesto que nos levara até ali, aquele lugar, momento e beijo.

Esquivaste-te sem convicção ao movimento das minhas mãos,

(«escuta-escuta», sussurravas tu tentando interromper uma ousadia que te seduzia)

e esses mesmos toques foram certamente a razão para, dias depois, nos deitarmos, pele com pele, boca com boca, sexo com sexo.

E nesse final de tarde, rebolando-te na cama beijei e possui cada pedaço de ti. Fomos amantes desbragados nas mais diversas formas físicas mas apenas numa de sentir a o mais profundo e secreto de nós.

Quisemos estar e desejámo-nos.

Falar-te-ia hoje do que senti, se não repetisse o que então sentiste. No instante em que li no teu olhar o que a tua inconsciência te impedia de dizer, mergulhei por essa pinta do teu olho até alcançar a tua alma e beijei-a como amante.

Como alguém que te amou sem se assustar nem dos sentimentos, nem das palavras, por os saber conscientes, verdadeiros e apaixonados. E não, não fruto de um momento de insanidade, ou de paixão, ou de desejo ou até mesmo por mera luxúria.

Separarmo-nos foi a mais brutal das sensações. A noite chegou e o vazio instalou-se. Preencheu-se de afectos roubados, dos que ficaram por partilhar, de beijos e de palavras que não chegaram a acontecer

(sim, sei que sou um tagarela mesmo quando me deveria conter, mas o tempo escasseou sempre e tanto ficou por dizer...),

cheguei a ausentar-me de mim e quase tive vontade de me ausentar de ti. Teria feito se o conseguisse e me soubesse capaz. Lágrimas afloraram, falei sozinho, escrevi e invadi-me...

Uma e outra vez. Sempre com o mar a servir de pano de fundo. O mar que tanto gostamos de ver, sentir e respirar. O mar que foi dando forma a uma ideia. Eras a onda e eu a areia. A onda vinha, enérgica e revolta, espraiava-se mansa e docemente na areia até se entranhar totalmente em mim...

E então eu libertei-me.